Se os FIDCs foram a engrenagem que permitiu o crescimento das fintechs de crédito, e os TIDCs representam o novo estágio da tokenização desses ativos, as tokenizadoras são o motor invisível que transforma essa visão em realidade.
Elas estão por trás da infraestrutura que viabiliza a digitalização de ativos, permitindo que operações antes restritas a grandes instituições se tornem acessíveis, transparentes e auditáveis — num movimento que coloca o Brasil como protagonista da transformação digital do mercado de capitais.
O Caso Brasileiro – O Mapa das Tokenizadoras
Destaco algumas que reconheço pela presença através de interações, sejam de forma direta, em eventos, evidência na mídia e pela relevância no ecossistema financeiro nacional:
– Nexa – firmou parceria com a Vórtx para trazer governança fiduciária aos tokens de crédito e captou o maior aporte da América Latina no setor.
– AmFi – em parceria com a Núclea, tokenizou R$ 170 milhões em recebíveis, consolidando a tokenização como instrumento viável para crédito corporativo, além de US$ 250 milhões desde 2022, e recentemente firmou uma parceria estratégica com a Helix, tokenizadora de Singapura e uma das plataformas globais mais premiadas na tokenização de ativos do mundo real.
– Liqi – anunciou um acordo de US$ 500 milhões com a rede XDC, conectando o Brasil a um ecossistema global de RWAs.
– Zuvia – tornou-se a primeira tokenizadora brasileira a estabelecer parceria com a B3 para atuar no mercado secundário de tokens imobiliários, trazendo um selo da maior Clearing da América Latina.
– BlockBR – vem se destacando pela estruturação de operações de tokenização de ativos reais e imobiliários, e hoje é a infraestrutura da gestora de investimentos Rio Bravo, que tem sob gestão R$ 13 bilhões.
– Mercado Bitcoin (MB) – consolidou-se como um dos maiores emissores de tokens regulados do país, já tendo tokenizado US$ 200 milhões, e já responde por cerca de 30% dos resultados da companhia.
Desafios Estruturais – O que Ainda Limita o Avanço
Apesar do otimismo crescente e do amadurecimento regulatório, ainda enfrentamos desafios importantes:
1. Experiência do Usuário e Acesso:
Muitos players relevantes ainda não oferecem um aplicativo dedicado para o investidor. A ausência de uma jornada fluida e acessível pode ser um entrave para a adoção em escala, principalmente fora do círculo cripto-nativo.
2. Faltam Tomadores de Crédito Interessados em Captar via Tokenização:
Isso ocorre em razão da falta de conhecimento dos investidores, que ainda não compreendem completamente os riscos, garantias e benefícios desses ativos. O mercado precisa construir pontes de confiança nos novos players: por mais que alguns estejam ganhando destaque, muitas casas e investidores ainda desconhecem as mudanças que estão sendo implementadas com a criação de uma infraestrutura feita para registros financeiros.
3. Regulação e Abrangência dos Ativos:
Há ativos tokenizados que ainda não se enquadram nos modelos tradicionais da CVM, como direitos de jogadores. E há também uma expectativa real de que captações — antes restritas ao crowdfunding — possam evoluir via tokens, com a atualização da Resolução 88, abrindo caminho para um mercado secundário mais dinâmico.
Distribuição – O Desafio de Mudar o Canal (e a Experiência)
Mesmo com a estrutura montada, o verdadeiro desafio está na distribuição.
Os grandes bancos ainda detêm a confiança do investidor brasileiro, acostumado com aplicações tradicionais e com um canal centralizado de relacionamento. A tokenização, por mais eficiente que seja, precisa transmitir segurança e familiaridade.
E, na minha visão, ainda falta incorporar mais das experiências nativas do mundo Web3: interoperabilidade real entre plataformas, ferramentas de rastreabilidade, transparência embutida desde a origem do ativo. Se o investidor pudesse ver — com clareza — para onde vai seu recurso, em que fase está o ativo e qual o lastro envolvido, os ganhos tecnológicos se tornariam tangíveis.
Fechamento – O Dinheiro Encontra o Código
As tokenizadoras estão consolidando a nova espinha dorsal do mercado de capitais digital.
Mas há um próximo capítulo inevitável: o da integração com stablecoins e moedas digitais. Com elas, o ciclo se fecha: tokenização de ativos + tokenização da moeda = liquidez 24/7, global e programável.
Esse é um dos temas para um próximo artigo: como o dinheiro — finalmente — encontra o código.
Este artigo também se apoia no conteúdo do “Brazil Tokenization Report 2025 – The Convergence Moment”, elaborado pela Nexa, em parceria com a Fintrender, com insights regulatórios da RegDoor, e coautoria de nomes como Gustavo Cunha, Nicole Dyskant, Daniel Paiva e Eduardo Paiva. A publicação foi apresentada recentemente em evento do setor e destaca o país como hub latino-americano de tokenização, reunindo dados de mais de 110 empresas e mapeando o avanço regulatório, tecnológico e institucional do mercado.



