Desde a popularização dos grandes modelos de linguagem (LLMs), como o ChatGPT, uma dúvida recorrente em equipes técnicas, jurídicas e de produto é: o idioma do prompt interfere no desempenho da IA? A resposta é afirmativa e não se trata apenas de nuances linguísticas ou preferências estéticas. O idioma impacta diretamente o custo, a velocidade e a qualidade da resposta.
Este artigo apresenta as evidências técnicas e empíricas que justificam por que interagir com IA em inglês oferece vantagens práticas frente ao português, especialmente quando se considera eficiência de tokens, janela de contexto, custo computacional e profundidade de raciocínio lógico.
1. Densidade de informação e linguagem: a base estrutural da diferença
O conceito de densidade de informação foi amplamente discutido por Pellegrino, Coupé e Marsico (2011), que analisaram sete línguas incluindo espanhol, francês e inglês para medir a quantidade de informação transmitida por sílaba. Idiomas como o espanhol, com menor densidade informacional, precisam de mais palavras para transmitir a mesma ideia que o inglês, que é mais denso semanticamente.
Embora o estudo não tenha incluído diretamente o português, sua estrutura lexical e sintática é extremamente próxima da do espanhol.
A implicação direta é clara: mais palavras = mais tokens em modelos de linguagem.
2. Como os tokens funcionam e por que isso importa
Modelos como o GPT-4 operam com um mecanismo de tokenização geralmente o algoritmo Byte Pair Encoding (BPE) que converte texto em pequenos fragmentos processáveis chamados tokens. O tokenizador da OpenAI foi majoritariamente treinado com corpus em inglês. Isso faz com que o modelo reconheça palavras inglesas de forma mais eficiente, muitas vezes convertendo uma palavra inteira em um único token. Já no português, palavras menos comuns ou compostas tendem a ser quebradas em múltiplos tokens.
O impacto disso é direto: um mesmo texto traduzido para o português consome mais tokens, o que:
• aumenta o custo (cobrança por token);
• reduz a janela de contexto disponível;
• torna o processo de inferência mais lento.
3. Evidência empírica: a diferença real na prática
Para comprovar a variação de tokens entre idiomas, o engenheiro de IA Nathan Lambert realizou um experimento com o tokenizador da OpenAI. O resultado:

Isso representa um aumento de 30,48% no número de tokens apenas pela troca do idioma, sem qualquer alteração de sentido. O francês apresentou resultado similar (138 tokens), reforçando o padrão observado em idiomas latinos.
Considerando que o português compartilha a mesma morfologia e estrutura frasal do espanhol, é tecnicamente seguro afirmar que o consumo de tokens em português tende a ser até 30% maior que em inglês, dependendo da complexidade e vocabulário utilizado.
4. Consequências diretas: custo, performance e contexto
Esse acréscimo de tokens afeta múltiplas frentes:
Custo: APIs da OpenAI e outros provedores cobram por mil tokens processados. Ou seja, traduzir o prompt para inglês pode reduzir o custo de uso em até 30%, mantendo o mesmo conteúdo informacional.
Tempo de resposta: Mais tokens = mais ciclos computacionais = respostas mais lentas, principalmente em aplicações em escala ou em sistemas com resposta em tempo real.
Janela de contexto: Modelos como GPT-4 têm limite de tokens por chamada (ex: 128k tokens). Se você consome mais tokens apenas para formular o prompt, sobra menos espaço para contexto, dados auxiliares ou instruções detalhadas.
5. Qualidade das respostas: o fator do raciocínio lógico
Mesmo que o português seja suportado, a qualidade da inferência lógica em inglês é superior. Isso ocorre porque:
Mais de 60% do corpus de treinamento do GPT-3 e GPT-4 é em inglês, segundo dados da EleutherAI e relatórios internos da OpenAI.
Prompts em inglês tendem a acionar pesos otimizados no modelo, resultando em respostas mais estruturadas, completas e coerentes.
O engenheiro Roberto Di Cosmo demonstrou que prompts idênticos traduzidos para o italiano (língua latina) geravam respostas menos racionais e com mais desvios lógicos do que os mesmos prompts em inglês. Isso evidencia que, além da linguagem, a lógica de raciocínio do modelo é otimizada para o inglês.
6. Tradução interna ou não? Uma hipótese ainda em aberto
Há especulações de que o modelo internamente converte prompts para inglês, processa as instruções e depois traduz de volta. Não há confirmação oficial disso por parte da OpenAI. O mais provável é que o modelo opere diretamente no idioma solicitado, mas com um viés de aprendizado e associação semântica muito mais robusto no inglês.
Isso explica por que, mesmo com domínio gramatical em português, a IA comete mais falhas conceituais fora do inglês.
7. Recomendações técnicas para maximizar desempenho com IA
A troca de idioma deve ser encarada como uma decisão técnica e estratégica, especialmente para profissionais que:
• desenvolvem aplicações com API OpenAI;
• trabalham com prompts longos e instruções detalhadas;
• operam com janelas de contexto reduzidas (como em análise de documentos);
• buscam raciocínio lógico ou inferência matemática da IA.
Para esses casos, usar inglês nos prompts pode gerar:
• redução de até 30% no custo de tokens;
• melhoria na velocidade de resposta;
• maior profundidade e coerência nas respostas;
• aproveitamento mais eficiente da janela de contexto.
Conclusão: uma decisão técnica que gera vantagem operacional
A diferença entre usar português e inglês com modelos como o ChatGPT não é estética, é estratégia. É uma otimização técnica mensurável, com impacto direto na performance da IA, no orçamento do projeto e na qualidade do output.
Profissionais e times que atuam com automação, jurimetria, análise de dados, copywriting ou desenvolvimento devem considerar adotar o inglês como linguagem-padrão de interação com IA, sempre que possível.
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