PLATAFORMAS E PODER: POR QUE O PIX INCOMODA TANTO?

Vivemos um tempo em que a inovação tecnológica deixou de ser apenas um diferencial de mercado e passou a ser uma disputa de soberania. O desenvolvimento do Pix no Brasil, sistema gratuito, rápido e acessível de transferências eletrônicas, não é apenas uma inovação local, mas tornou-se também um símbolo de resistência a uma lógica global baseada em plataformas privadas que operam como novos senhores digitais.
 
A tese do tecnofeudalismo, popularizada pelo economista Yanis Varoufakis, descreve uma transformação radical na estrutura do capitalismo. Em vez de um mercado guiado pela livre concorrência, surgem domínios digitais onde poucas plataformas controlam o acesso, impõem regras, vigiam escolhas e cobram pedágios invisíveis. Essas plataformas não apenas intermedeiam transações, mas moldam comportamentos, extraem dados e operam com algoritmos que ninguém audita. A aparência de liberdade esconde relações de sujeição e dependência, semelhantes ao feudalismo medieval.
 
Nesse cenário, o Pix se apresenta como alternativa concreta. Criado pelo Banco Central, eliminou a necessidade de intermediários financeiros para transferências entre pessoas físicas e pequenos negócios. É simples, gratuito e em tempo real. Sua adoção em massa transformou o sistema bancário nacional, forçando bancos e operadoras de cartão a rever tarifas e modelos, e abriu espaço para instituições de pagamento.
 
O impacto foi tão grande que os Estados Unidos passaram a ameaçar o Brasil com tarifas comerciais. A justificativa? O Pix seria uma “prática desleal” por ser operado por órgão estatal, supostamente prejudicando empresas como Visa e Mastercard. Contudo, a verdadeira motivação por trás da alegação é o incômodo geopolítico causado pelo fato de um país do sul global ter criado uma solução pública e inclusiva que foge ao controle das grandes plataformas.
 
Essa reação expõe o que está realmente em jogo, uma disputa pelo controle das infraestruturas digitais. Se as plataformas operam como feudos, extraindo valor de cada transação e impondo suas regras, o Pix ameaça essa ordem ao mostrar que é possível inovar de forma pública e acessível, sem depender de intermediários corporativos. Para o modelo dominante, isso é inaceitável.
 
O caso do Pix mostra que o debate sobre tecnologia não é neutro. Envolve escolhas políticas e projetos de sociedade. Ao criar e implantar uma infraestrutura digital voltada ao interesse coletivo, o Brasil provou que há caminhos fora da lógica da plataformização privada. E há o risco de ser punido por isso.
 
A reação americana não é apenas sobre pagamentos. É uma tentativa de reprimir um modelo alternativo que ameaça o domínio simbólico e financeiro das big techs. Ao atacar o Pix, o que se combate é a possibilidade de soberania digital e autonomia econômica.
 
No fim das contas, o que está em jogo é quem controla as pontes por onde circula o valor no século XXI. O Brasil mostrou que é possível construí-las com base no interesse coletivo, sem subordinação à lógica neoliberal de mercado. Resta saber se conseguiremos sustentar esse modelo diante da pressão das potências tecnofeudais.
 
 

>> Artigo originalmente publicado na Folha, confira aqui.

 

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