Na pressa de adotar a inteligência artificial, muitas empresas estão mirando direto no que brilha — e ignorando o que realmente sustenta a transformação. Uma metáfora da astronomia ajuda a enxergar o que está faltando
Empresas das mais diversas áreas estão anunciando estratégias de inteligência artificial com entusiasmo, urgência e, muitas vezes, pouca reflexão. O desejo de parecer moderno, competitivo e “em dia com o futuro” tem feito com que a adoção da IA aconteça de forma apressada, guiada por tendências de mercado e pressão por inovação.
O discurso é forte. As apresentações são bonitas. Mas, na prática, o que vemos muitas vezes é um movimento de superfície, que olha direto para o centro do que brilha, mas ignora o que está em volta.
Quando você quer observar um exoplaneta — ou qualquer estrutura ao redor de uma estrela muito brilhante — você não aponta um telescópio e “mira no meio”. Isso não funciona.
O brilho da estrela é tão intenso que ofusca tudo ao redor. A solução, elegante, é o uso de um instrumento chamado coronógrafo. Ele bloqueia a luz mais forte no centro da imagem para que o telescópio possa observar o que está ao redor — as bordas.
E é justamente ali, onde a luz é mais sutil, que as descobertas mais relevantes acontecem: planetas inteiros, discos de poeira, sistemas completos que estavam invisíveis diante do brilho principal.
É exatamente esse tipo de abordagem que falta em boa parte das iniciativas de IA nas empresas. O coronógrafo, aqui, funciona como uma metáfora para a capacidade de filtrar o excesso de hype, proteger-se do deslumbramento superficial e focar no que de fato precisa ser construído para que a IA funcione bem: dados confiáveis, times capacitados, processos ajustados, objetivos claros e, acima de tudo, um entendimento real de onde essa tecnologia pode agregar valor.
Sem isso, a IA se transforma rapidamente em um ornamento. Um projeto de demonstração, uma prova de conceito desconectada da realidade, uma iniciativa que até gera manchetes, mas não gera mudança.
O risco maior não está em adotar IA cedo ou tarde demais, mas em adotá-la sem estratégia — ou pior, como uma resposta ansiosa ao que os concorrentes estão fazendo.
A inteligência artificial não substitui a necessidade de clareza e preparo. Ela não resolve problemas mal definidos, não corrige dados inconsistentes, não substitui competências humanas que ainda não existem dentro da organização. Ela potencializa. Amplifica. Exige maturidade para ser integrada com responsabilidade.
O que temos hoje? Onde estão os gargalos? Que perguntas estamos tentando responder com IA? Nossa cultura está pronta para lidar com decisões automatizadas? Existe confiança nos dados? Os times entendem o que os modelos estão dizendo? Há quem assuma a responsabilidade pelos resultados?
Essas perguntas não brilham tanto quanto a promessa da automação total. Mas são elas que definem o sucesso — ou o fracasso — de qualquer jornada com IA.
No fundo, talvez a pergunta mais importante que cada organização precise se fazer agora seja justamente essa: Será que estamos olhando para o lugar certo?
>Artigo originalmente publicado na Época Negócios, confira aqui.