No Brasil, o câmbio sempre foi assunto complexo. São inúmeras regras, restrições, limites, definições, que a gente se perde. Quem trabalha em banco, sempre ouve falar que “o câmbio é um banco dentro de um banco”. As naturezas de operações são muito variadas, a contabilidade é bem específica e os controles e processos envolvendo as transações, por serem muito burocráticas, requerem sistemas bem-preparados e pessoal qualificado.
A história da alta regulação cambial no Brasil tem a ver com o rígido controle de nossas reservas e a manutenção do valor de nossa moeda nacional, o que não evoluiu com o tempo. Não há uma legislação consolidada para o câmbio. Há cerca de 40 leis, muitas delas extremamente antigas.
Nesse sentido, é importante falar do Projeto de Lei 5387, que já tendo passado pela Câmera Federal, aguarda agora apreciação pelo Senado. A intenção da proposta, elaborada entre congressistas, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Receita Federal, bancos, fintechs e empresas, é fazer uma grande modernização na legislação cambial. A expectativa é que ainda em 2021 haja avaliação da matéria, porém, diante do cenário atual de grandes desafios políticos e econômicos, essa agenda não está garantida.
Por outro lado, o Banco Central do Brasil (BCB) já se adiantou, dentro dos seus limites legais, e promoveu importantes ajustes na Circular 3691/13, por meio da Res. BCB 137/21 e Res. BCB 148/21. A referida Circular é a que regulamenta a norma editada pelo Conselho Monetário Nacional que dispõe sobre o mercado de câmbio, cujas novidades trataremos neste artigo.
Os canais digitais, propiciando segurança nas transações, facilidade de uso, baixo custo e alta disponibilidade, são fatores para as crescentes oportunidades de mercado. Dessa forma, a Circular 3691/13, recém atualizada, trouxe o conceito do eFX e das instituições de pagamento (IP) como novos atores nessa prestação de serviço, a partir de 1/9/2022.
O eFX é definido como serviço de pagamento ou transferência internacional que, por meio de operação de câmbio ou mediante transferência internacional em reais permite:
• Aquisição de bens e serviços, no país ou no exterior;
• Transferência unilateral corrente;
• Transferência de recursos entre conta no país e conta no exterior de mesma titularidade e
• Saque no País ou no exterior.
Se focarmos apenas nas transferências, as estimativas de institutos de análises e pesquisas econômicas, indicam que o mercado global, em 2018, seria da ordem de US$ 682,6 bilhões, com crescimento anual esperado de 3,9%, atingindo US$ 930,4 bilhões em 2026 (fonte: Allied Market Research).
Formado por diversos operadores e canais, como bancos, empresas autorizadas (“money transfers operators”) e plataformas eletrônicas (“mobile network operators”), dentre outros meios, o crescimento recente tem sido motivado pela internacionalização dos negócios e a migração de pessoas.
O eFX pode ser prestado por IPs autorizadas, independentemente de autorização para operar em câmbio. Ou seja, se a IP for autorizada, não há necessidade de autorização específica para operar em câmbio. As IPs que podem oferecer o eFX são:
• Emissoras de moeda eletrônica;
• Emissoras de instrumento de pagamento pós-pago e
• Credenciais
As iniciadoras de transação de pagamentos – ITPs, estão fora desta possibilidade.
Contudo, as IPs não autorizadas podem também oferecer o eFX para (i) aquisição de bens ou serviços e (ii) saques, sem limitação de valor, se assim o fizerem dentro de um arranjo de pagamento autorizado. A aquisição de bens ou serviços fica limitada a US$ 10 mil, caso a IP se não esteja em arranjo de pagamento autorizado.
Por fim, as demais pessoas jurídicas podem também prestar eFX exclusivamente para viabilizar a aquisição de bens e serviços, limitado a US$ 10 mil.
Importante ressaltar que é vedado à instituição de pagamento autorizada a operar no mercado de câmbio receber ou entregar moeda em espécie, nacional ou estrangeira, em operação de compra ou de venda de moeda estrangeira realizada com cliente. Ou seja, tudo deve se dar apenas no mundo digital.
As demais instituições que também podem oferecer o eFX são bancos múltiplos, bancos comerciais, caixas econômicas, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, bancos de câmbio, agências de fomento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio.
Dito tudo isso, ficam evidentes as enormes potencialidades dessas novas regras. Imaginemos uma IP, atuando num contexto de clientes pessoas físicas ou jurídicas, que intermedeiam produtos importados ou exportados, que sejam agências de turismo ou seus clientes, prestem serviços ao exterior, ou dele recebam serviços, utilizem jogos, façam compras internacionais de variadas naturezas, tenham parentes no exterior a quem precisem remeter dinheiro (ou receber), e tudo mais que envolver o câmbio.
Essas IPs poderão passar a oferecer, no seu rol de serviços a seus clientes, a possibilidade de fecharem suas transações sem necessariamente terem que se valer de uma instituição financeira autorizada para o registro e liquidação das operações, como se dá atualmente, por exemplo, por meio de banco ou corretora de câmbio.
A criação de valor, maior oferta de serviços e produtos, uma melhor experiência dos clientes, maior agilidade e preços mais competitivos são apenas algumas das muitas vantagens.
Vivemos em momentos de grandes saltos de qualidade em serviços financeiros (Pix foi um deles, muito recentemente), e o eFX promete ser outro.
Sua IP está preparada?