Pílulas empreender : Você não faz nada sozinho!
Em artigo anterior publicado no site papo de boteco, enfatizei a importância da rede de relacionamentos (‘network’) para o sucesso de uma empreitada. Tão importante quanto esse aspecto é a presença de uma ‘sociedade’ efetiva, que aja em prol da prosperidade da empresa.
É muito difícil, senão impossível, empreender sem sócios. A menos, obviamente, que seja uma atividade simples (e mesmo assim haverá essa necessidade no crescimento). Embora muitas vezes associemos a imagem de uma empresa de sucesso a uma pessoa (Bezos, Jobs, Zuckemberg, etc), mesmo nesses casos temos a presença de sócios que ajudaram na construção do negócio e que são desconhecidos do grande público simplesmente porque não é parte de suas atribuições o papel de ‘embaixador’ da empresa para o mercado ou mídia.
Na prática, empreender uma ‘sociedade’ é necessária simplesmente porque não há ser humano que seja bom em tudo e a transformação de uma ideia em negócios exige múltiplas habilidades. Então mesmo quando alguém é majoritário em uma empreitada, sem que se cerque de sócios que o ajudem na jornada, aumentará muito a incerteza em relação ao destino.
Dito isso, é importante observar algumas situações que tornam a sociedade um agente de crescimento da empresa e não motivo de sua ruína. Primeiramente, é importante que os sócios tenham habilidades complementares. Imagine uma sociedade em dupla, onde ambos tem as mesmas fortalezas e deficiências. Serão redundantes. A diversidade de perfis acaba sendo uma necessidade para a perpetuidade da organização.
Nem todos terão aptidões comerciais ou financeiras, mas certamente não se pode renunciar a que ambas estejam presentes, para ficar em um exemplo banal. Entenda-se a empreitada como um carro e encare-se os sócios assumindo papéis diferentes na engrenagem que faz com que o veículo funcione. Parece óbvio, mas em muitas ocasiões os próprios sócios não tem essa visibilidade e acabam julgando o seu papel como mais importante que o dos outros, negligenciando o conceito da engrenagem, o que na maioria das vezes é o início da deterioração da relação.
Também é importante entender, à medida que a empreitada cresce, os papéis de acionista e de executivo. O último é remunerado com salário atribuído à sua função dentro da empresa, enquanto o primeiro recebe dividendos. Nenhum problema em ser ambos ao mesmo tempo, desde que se tenha a consciência das diferenças.
Não pode haver entre os sócios divergências em relação ao ‘lugar no qual se deseja chegar’. Concessões sobre o ‘como’ são possíveis e comuns, mas essencialmente o alinhamento sobre o ‘destino’ é imprescindível. É impossível uma convivência saudável quando um grupo de acionistas quer maximizar retorno e outro maximizar crescimento, por exemplo. Ou se chega a um meio termo no que diz respeito aos pilares estratégicos, ou a empresa sofrerá as consequências do desalinhamento, e isso vem no curto prazo. Não havendo consenso sobre o ‘destino’, é melhor que uma das partes se retire do jogo, venda sua participação ou faça concessões reais, sem lançar a empresa em uma guerra de acionistas.
Sócios podem ser amigos, mas nem de longe isso é um pré-requisito para o sucesso de uma empreitada. Indispensável é que as partes se respeitem, entendam o papel de cada um dentro da organização e ajam sempre com correção. Afinidades pessoais não devem interferir na condução dos negócios.
É possível que em determinado momento, um dos sócios não deseje mais empreender e isso é normal. Uma sociedade não foi feita para durar eternamente, mas para promover condições de prosperidade para a empresa, que ocorrerá em ciclos distintos. É natural que avançando no tempo e sob diferentes circunstâncias, a estrutura societária não faça mais sentido, e isso jamais deve ser tomado pelo lado pessoal.
Na saída, também é essencial que prevaleça o mesmo respeito com o qual os acionistas se tratavam. O conflito, mesmo que no crepúsculo da sociedade, terá sempre potencial de causar dano à empresa, que precisa ser preservada das discussões contratuais (se houver), tal qual filhos em um casamento que se desfez.
O combinado nunca sai caro, e sempre que puder o formalize, para que não haja a menor possibilidade de mal-entendido, aquele velho problema de interpretação…É óbvio que será sempre possível mudar o que foi acordado, mas para isso é preciso conversar e entrar em consenso para a nova decisão. A comunicação precária ou mesmo a ausência de diálogo são grandes venenos para uma relação societária.
Tenha ciência de que em uma sociedade onde uma parte entra com trabalho e outra com capital, a última prevalecerá mais e mais com o tempo, porque qualquer empresa vai precisar de injeções de dinheiro para sustentar seu crescimento e pelo menos nos ciclos iniciais, é muito difícil que os resultados gerados sejam suficientes para bancá-lo. A alternativa a esse cenário é o endividamento.
Mesmo que tenhamos ciência da importância de todos esses elementos supracitados para o bom funcionamento de uma sociedade, muitas vezes ela não dá certo, simplesmente porque o comportamento humano é suscetível às mais diversas emoções que podem dar o tom de uma relação, mesmo comercial, em detrimento à previsível racionalidade.
Em outras ocasiões, as próprias circunstâncias do negócio mudam, e o que estava alinhado torna-se uma grande fábrica de desajustes e discordância, e aí não resta alternativa senão o fim. Então mesmo que sigamos o ‘manual para o bom andamento da relação societária’, pode não funcionar. Ao final do dia, são relações humanas. E se der errado? Tudo bem. Arrume outros sócios, porque você não construirá nada sozinho…!
Artigo anterior: O desafio dos empreendimentos digitais
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**Este texto foi originalmente publicado no Papo de Boteco, que autorizou a republicação na Kadmotek.