Desde que somei ao meu currículo de gestora de departamento jurídico as atividades de compliance, percebi quão incompreendida é esta função. Não é difícil ver pessoas torcendo o nariz quando, questionada sobre minha profissão, eu respondo que sou Gerente de Compliance.
É importante recuarmos alguns passos para explicarmos a origem desta palavra e sua aplicação no ambiente corporativo. Compliance advém do verbo em inglês “to comply”, remetendo a ideia de cumprir, seguir normas e/ou agir em conformidade. Segundo o Instituto Brasileiro Governança Corporativa – IBGC, o sistema de compliance permeia todos os níveis da organização e é composto por um conjunto de elementos que atendem a três finalidades básicas: prevenir, detectar e responder.
De modo simplificado é possível afirmar que o departamento de compliance dentro de uma organização tem o objetivo de garantir que todas as políticas internas e as leis aplicáveis ao negócio sejam observadas e cumpridas.
Seguindo nesta esteira é importante ressaltar que os ideais de compliance surgiram ao longo das últimas décadas, contudo ganharam força como atividade corporativa após diversos escândalos de corrupção em empresas de relevância e reputação ilibada, como por exemplo a Enron (2001/EUA), Worldcom (2002/USA), Petrobrás (2014/BRA) e a Odebrecht (2014/BRA).
Trazendo o foco para o início da aplicação do compliance no ambiente corporativo brasileiro e o cenário de imoralidade empresarial que permeava as últimas décadas, é impossível não observar o choque da liderança executiva nas grandes corporações brasileiras acostumada a regalias e condutas duvidosas.
Ademais, com o advento de legislações sobre o tema e penalidades substanciais, as empresas foram obrigadas a iniciar seus programas de compliance de maneira ágil e eficaz, o que tornou esse choque cultural ainda mais explosivo diante da implantação de diversos sistemas de controles internos e do reforço das condutas éticas e morais, formalizadas em políticas que devem ser seguidas à risca pelos empregados e liderança executiva.
Diante deste cenário, os profissionais de compliance enfrentaram, e ainda enfrentam, diversos desafios paralelos aos desafios da própria função, como por exemplo mudar o mindset de líderes acostumados com condutas propriamente brasileiras, ou em linguagem informal, o famoso “jeitinho brasileiro”.
Por esta razão, nas ocasiões em que um profissional de compliance é apresentado, junto a ele vem uma enxurrada de adjetivos não virtuosos, uma vez que ser o guardião da integridade de uma empresa pressupõe a renúncia de muitas ações e caminhos fáceis para todos os integrantes da organização.
Vale ressaltar que uma área de compliance bem estruturada e aliada da alta gestão corporativa, pode promover ganhos significativos no resultado financeiro, conforme demostrou a Pesquisa Integridade Corporativa no Brasil, encabeçada pela Delloite em 2018: “Mais de 80% dos respondentes indicaram que o compliance contribuiu para a melhora do resultado financeiro de sua organização.”
Além disso, de acordo com o estudo acima, com o avanço tecnológico e a praticidade da disseminação de informações e imagem, o compliance tem um papel importantíssimo na gestão do risco reputacional, sendo a sua detecção prematura um aliado da empresa.
Não menos importante é o papel do compliance em startups. Desde embrionárias devem inserir em seu plano de negócios políticas que reforcem a integridade e a segurança jurídica. Essa visão de conformidade, transparência e percepção de ética desde o início da vida de uma empresa gera um diferencial competitivo ao ser estudada por fundos de investimentos e até mesmo por clientes e fornecedores que já possuem cultura de compliance enraizadas.
Por fim, espero com este texto ter conseguido demonstrar que o estigma de “vilão” não deveria ser atribuído ao profissional de compliance, uma vez que todas as suas atividades se destinam a garantir aos stakeholders de uma empresa um ambiente ético, responsável e lucrativo.