Como a história bem documentada nos conta, a missão americana da Apolo 13, com os astronautas Jim Lovell, John Swigert e Fred Haise, sofre uma série de infortúnios a partir do momento em que uma explosão, num dos tanques de oxigênio líquido, aborta os planos de pouso na Lua e a missão passa a ser uma corrida para sobrevivência.
No filme de 1995, estrelado por Tom Hanks, um dos vários eventos inesperados, seguintes à explosão do tanque de oxigênio, foi a subida inesperada de dióxido de carbono (CO2) no módulo lunar. Por uma questão de imprevisibilidade do desenho das peças, que ninguém projetara para um evento catastrófico, os astronautas, com a ajuda do Centro de Comando em terra, tiveram que improvisar, para encaixar uma peça quadrada, em outra cilíndrica, de maneira a construir um filtro de CO2, usando o material que havia a bordo, como capas de manuais, fitas adesivas, sacos plásticos e até uma meia.
Essa foi uma das cenas mais emocionantes do (genial) filme, pois mostra o poder da inventividade humana, da busca por soluções e de como superar desafios quando “a coisa aperta”.
Vamos pensar agora nas empresas de DNA eminentemente tecnológico, como as fintechs e instituições de pagamento (vamos chamá-las de “círculos”), que nasceram com a vocação de serem ágeis, inovadoras, para focarem na experiência do usuário, melhorando a vida das pessoas em aspectos tão cotidianos como fazer uma compra, transferir dinheiro a terceiros ou mesmo contrair uma dívida.
Essas empresas nascem, crescem, se tornam vibrantes e ágeis, atraem talentos e são reconhecidas como genuinamente disruptivas. Mas aí, seja por uma demanda específica (por exemplo, oferecer o Pix a seus clientes), ou por uma mais estrutural (por exemplo, atingir determinada volumetria de transações definida pelo Banco Central do Brasil), elas se veem frentea frente, da noite para o dia, imersas em uma enorme “burocracia” (vamos chamá-la de “quadrado”), muitas vezes considerada insana, digna de gerações passadas. Tornam-se “franquias reguladas”.
E aí é que entra a Apolo 13: Como fazer o “círculo” encaixar no “quadrado”, de maneira a que as pessoas não morram envenenadas pelo seu próprio CO2?
Se me permitem um pouco mais de analogia, uma empresa pulsante, em franco crescimento, é como um corredor, num sprint. Seu coração acelera, sua respiração se torna mais ofegante, ele está expelindo mais CO2. E é nesse momento que um “filtro quadrado” pode vir a calhar.
O crescimento é uma coisa mágica. Poder reportar aos clientes, ao mercado, aos investidores e acionistas números crescentes de TPV (Total payment volume) ou mesmo de uma carteira de crédito, é uma sensação de motivação para as equipes. Dá orgulho. Mas poder continuar reportando esses números, ano após ano, em inúmeros ciclos de crescimento, passando por vários momentos de estresse do mercado e de produtos, como os que acontecem de tempos em tempos em nosso país e no mundo, para além da sensação de orgulho há também a de dever cumprido: passar o bastão às próximas gerações, para que deem continuidade à real criação de valor e não apenas dar um “sprint”.
Por mais moderna e inovadora que seja uma empresa, por maior perfil tecnológico que possua, há pilares comprovados e sólidos sobre os quais elas têm que se basear para garantir sua perenidade, como por exemplo:
– Gestão de riscos;
– Controles internos;
– Segurança cibernética;
– Gestão financeira e de capital.
As “quadradas” regulamentações do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil, afinal, podem não ser assim tão quadradas. Elas são, em sua grande maioria, baseadas em práticas consagradas de boa gestão, técnicas internacionalmente aceitas, e muitas vezes exigidas, bem como no velho bom-senso.
Essas regulamentações representam, em última instância, os necessários filtros, para que a instituição não se asfixie, e deveriam ser bem atendidas, em primeiro lugar objetivando uma boa gestão, e em segundo lugar, para a própria conformidade regulatória. No final do dia, círculos e quadrados se complementam, como no filme, e podem garantir a sobrevivência.
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One thought on “Fintechs, instituições de pagamento e a Apolo 13”
Excelente artigo, Luciano!
Demonstra como as empresas devem “sair da caixa” (quadrada), para encarar o mundo (redondo) da concorrência, usando as boas práticas empresariais.
Excelente artigo meu amigo. Hoje as empresas e pessoa precisam ser ágeis respeitando todos os processos legais. A reinvenção se faz necessária diariamente.