ENTREVISTA: LUCIANO FANTIN, SÓCIO DA RISKFENCE CONSULTORIA

O mercado financeiro passou por um processo de transformação e evolução nos últimos anos. Na sua opinião, quais foram os principais aspectos positivos dessas mudanças?

 

Temos acompanhado um verdadeiro “boom” de novos entrantes no mercado financeiro, em especial ligados aos serviços de pagamento. Tanto no Brasil, como no exterior, novos entrantes têm “desafiado” o sistema bancário tradicional. Os principais aspectos positivos estão ligados a uma melhor experiência dos clientes/usuários de serviços de pagamento, uma simplificação de processos, economia em tarifas (e até mesmo juros, quando pensamos em antecipação de recebíveis), e uma maior transparência. No caso do Brasil, o Banco Central tem desempenhado um papel fundamental na simplificação de regras, com uma abordagem de riscos e prudencial proporcional à realidade desses novos entrantes, ou mesmo com criação de plataformas de pagamento instantâneo e de registro de recebíveis (Pix e Registradoras, respectivamente). Quem sai ganhando com tudo isso é o consumidor final desses serviços.

 

 

Luciano, você foi diretor estatutário de diversas instituições financeiras e desde 2013 é sócio da RISKFENCE, uma das principais consultorias voltadas para o Mercado Financeiro com especial destaque à indústria de meios de pagamento e fintechs. Quais são os principais desafios das fintechs e das instituições financeiras tradicionais?

 

As fintechs (e aqui me refiro ao termo em sentido lato sensu, às instituições de pagamento, sociedades de crédito direto e sociedades e empréstimos entre pessoas), possuem um grande desafio, que lhes é bastante comum: por serem instituições autorizadas, e altamente reguladas, devem se adaptar à realidade de estarem sob o guarda-chuva do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil. Seu DNA é de tecnologia, que traz consigo a velocidade, inventividade, mudança de paradigmas, simplicidade etc. Por outro lado, como instituições reguladas que são, devem também atentar para a boa gestão e conformidade regulatória envolvendo governança, gestão de riscos, gestão prudencial, prevenção à lavagem de dinheiro, dentre tantos outros aspectos obrigatórios. O desafio central, a meu ver, é primordialmente de ordem cultural, mais importante até que o de custo de observância.

 

No caso das instituições financeiras tradicionais, no que se refere aos serviços de pagamento, o grande desafio está na necessidade urgente de reavaliar seu relacionamento com o cliente. O recado (mundial) está sendo dado, até pelas curvas de crescimento de clientes das fintechs: os clientes querem relações mais fluidas, menos burocráticas, mais justas, mais rápidas. Menos economês e mais soluções voltadas ao cotidiano. O desafio das instituições financeiras tradicionais é também, a meu ver, primordialmente cultural. Estamos assistindo a um choque de gerações.

 

 

 

Várias empresas, principalmente do setor de varejo, decidiram investir em fintechs e ingressar no mercado financeiro. Como você imagina o mercado nos próximos dois anos?

 

A percepção de muitas empresas que temos atendido, é que elas podem agregar valor ao seu negócio e aos seus clientes, na medida em que ofereçam soluções integradas aos fluxos financeiros gerados em seus “negócios vocacionais”. Por que direcionar o cliente a um terceiro se elas próprias podem prover o que o cliente necessita (e muitas vezes, de maneira mais ágil e barata)? Acredito que a tendência, nos próximos anos, é cada vez mais varejistas ocuparem esse espaço, pois se trata de atender uma demanda reprimida.

No início do ano, houve a divulgação[1] de um estudo do Instituto Locomotiva, que chegou ao impressionante número de 16,3 milhões de brasileiros sem conta em banco e 17,7 milhões que não movimentavam suas contas com frequência. Segundo esse estudo, essa parcela somada dos brasileiros (21%) movimenta por ano R$ 347 bilhões ou 8% da renda do país. É muita gente não atendida ou mal atendida e um volume financeiro muito expressivo. Apesar de ter havido uma forte inclusão recente de pessoas no sistema bancário (em função da pandemia e auxílio emergencial), o número de não atendidos ainda é muito expressivo. E todo mundo, sem exceção, é cliente de varejo.

 

 

 

Governança, eficiência e cenário econômico continuam sendo grandes desafios para as empresas, especialmente no Brasil. A RISKFENCE tem a divisão de turnaround, poderia falar sobre a atuação dessa equipe?

 

Há dois anos, no início da pandemia, resolvemos atrair alguns talentos voltados às empresas não-financeiras, e oferecemos, como forma de ajudar aquelas em dificuldade, um serviço de consultoria pro bono. Criamos um comitê que escolheu, dentre vários projetos que nos chegaram às mãos, com pedido de ajuda, o de um hotel em Minas Gerais. Tratava-se de um empreendimento familiar centenário, que estava se sob o risco iminente de fechar suas portas. A nossa equipe “turnaround” é um grupo muito sênior, composto por especialistas financeiro, em marketing e comunicação, em tesouraria, economia, tecnologia e reestruturação de empresas. Criamos alternativas viáveis a esse hotel, que hoje continua em pé, retomando gradualmente suas atividades. Com base nessa iniciativa, resolvemos perenizar essa nossa nova divisão, de altíssimo nível, que atua em todos os segmentos citados, ajudando empresas a saírem de situações de risco de quebra, assim como aquelas que buscam dar um próximo passo, e precisam reforçar suas práticas de gestão. Contamos com uma metodologia robusta de diagnóstico e implantação de melhorias.

 

 

 

Quais são as perspectivas da RISKFENCE nos próximos anos?

 

A Riskfence nasceu em 2013 para atender o sistema financeiro tradicional, como bancos, corretoras, financeiras, com serviços de consultoria de ponta, executados somente por profissionais sêniores. Desde o novo marco regulatório de meios de pagamento de 2013, nos especializamos e temos crescido muito, por conta do “boom”, em instituições de pagamento e fintechs. Criamos um programa interno de treinamento e certificação para nossos consultores e expandimos nossa capacidade de gestão, convidando 5 novos integrantes para nosso Núcleo de Gestão da Riskfence (“NGR”). São profissionais de altíssimo nível, que passaram recentemente a atuar como nossos consultores associados, trazendo grande bagagem em controladoria, câmbio e varejo, compliance e tesouraria, gestão de riscos, governança, controles internos e tecnologia. Com esse time, e o mercado ajudando, veremos uma expansão muito boa, tanto para esse novo segmento, quanto para as instituições financeiras tradicionais, nos próximos 3 anos. Foram movimentos estratégicos que fizemos, nos preparando para isso, mas sempre focando na proximidade com o cliente, na “pessoalização”, pois nossos diferenciais são esses: gente com muita bagagem e projetos tocados com grande proximidade ao cliente.

 

[1] https://valorinveste.globo.com/produtos/servicos-financeiros/noticia/2021/04/27/34-milhoes-de-brasileiros-ainda-nao-tem-acesso-a-bancos-no-pais.ghtml

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